terça-feira, 17 de novembro de 2015

Felicidade


" Marcelle-Lender", Henri Toulouse-Lautrec, 1895


"Acácio tornara-se a sua mania: admirava a sua figura e a sua gravidade, arregalava grandes olhos para a sua eloquência, achava-o numa «linda posição». O Conselheiro era a sua ambição e o seu vício! havia sobretudo nele uma beleza, cuja contemplação demorada a estonteava como um vinho forte: era a calva. Sempre tivera o gosto perverso de certas mulheres pela calva dos homens,  e aquele apetite, insatisfeito inflamara-se com a idade. Quando se punha a olhar para a calva do Conselheiro, larga, redonda, polida, brilhante às luzes, uma transpiração ansiosa humedecia-lhe as costas, os olhos dardejavam-lhe tinha uma vontade absurda, ávida, de lhe deitar as mãos, palpá-la, sentir-lhe as formas, amassá-la, penetrar-se dela! Mas disfarçava, punha-se a falar alto com um sorriso parvo, abanava-se convulsivamente, e o suor gotejava-lhe nas roscas anafadas do pescoço. Ia para casa rezar estações, impunha-se penitências de muitas coroas à virgem; mas apenas as orações findavam, começava o temperamento a latejar. E a boa, a pobre D. Felicidade tinha agora pesadelos lascivos e as melancolias do histerismo velho! A indiferença do Conselheiro irritava-a mais: nenhum olhar, nenhum suspiro, nenhuma revelação amorosa o comovia! Era para com ela glacial e polido."

"O primo Basílio", Eça de Queiroz

1 comentário:

  1. Posso concordar com esta visão da felicidade... não são o desejo e a alegria da paixão jovial felicidade e adrenalina passageiras? Passagem curiosa...

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