segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A mulher n' «O primo Basílio» de Eça de Queiroz

Salão na Rue des Moulins, Toulouse-Lautrec, 1894


Apesar do título, "O primo Basílio", referindo-se a um dos personagens masculinos, a extensão dos vários enredos da escrita de Eça nesta obra faz-se analisando o mundo feminino. A personagem “Luísa” constitui a plataforma em torno da qual outros modelos femininos desenrolam a sua caracterização e acção. Juliana, a empregada “de dentro”, que de si nada tem, a não ser o amor pelas botinas, símbolo e diferenciador de sub-classe social de quem não calça tamanco, impotente no desejo sexual, que calou ao longo dos anos e na incapacidade de alcançar outros níveis de “abastança”, ser capelista era o seu desejo, transforma-se na figura primordial da novela apresentada, já que lhe cabe o desfecho real da intriga: o roubo da carta, a chantagem pecuniária,  psicológica, social e pessoal, que a austeridade da sua vida miserável a obriga a realizar sobre Luísa, são características apresentadas pela narrativa que envolve o leitor em mundos de imaginação da solidão e ausência de sentido que nem na morte alcança o aconchego de um velório acompanhado, restando-lhe um conjunto de atitudes desprezíveis e mesquinhas. Joana, a cozinheira,  de bem com a condição que a vida lhe deu e com Pedro que usualmente leva “para dentro”. Leopoldina, realizada sexualmente, desventurada socialmente. Felicidade, suposta alta-burguesa, infeliz nos amores e na inexistente vida sexual, exuberante nas manifestações interiores e físicas. Estas cinco mulheres estão unidas pela ausência da maternidade. Não existem filhos, “rebentos” que justifiquem e atribuam sentido à sua existência, dão-se, assim, a comportamentos “desviantes”, cada uma no seu território psicológico e social, cada uma no seu “divã”, no qual a análise freudiana se sentiria plena, mas principalmente, onde cada uma se presta à menorização da pessoa que é, não porque o não desejem, mas simplesmente por desconhecerem que podem ser mais, ser completamente mulheres, com ou sem filhos, com ou sem companheiros, procurando ser o que desejam ser, sem pudicos desvios ou censuras pessoais e sociais. Ler “O primo Basílio” permite visitar questões profundas da condição feminina: existimos por nós ou existimos no absoluto serviço ao outro? Todas estas mulheres servem. Luísa serve o marido e o primo. Juliana serve Jorge e Luísa. Joana serve Pedro, Jorge, Luísa e Juliana. Leopoldina “serve” quase todos e Felicidade serve o brilho do Conselheiro. 
Nenhuma delas serve a si própria. O título "O primo Basílio" mostra a mesquinhez do olhar ignorante do feminino. Foi essa a intenção crítica do autor? O "primo" é personagem constitutiva e nuclear ou assume, subliminarmente, a condição feminina?

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