quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Com este labor e este pranto se edifica a abundância da Cidade

"Os comedores de batatas", Vincent Van Gogh, 1885


"E com este labor e este pranto dos pobres, meu Príncipe, se edifica a abundância da Cidade! Ei-la agora coberta de moradas em que eles não se abrigam; armazenada de estofos, com que eles não se agasalham; abarrotada de alimentos, com que eles se não saciam! Para eles só a neve, quando a neve cai, e entorpece e sepulta as criancinhas aninhadas pelos bancos das praças ou sob os arcos das pontes de Paris ... A neve cai, muda e branca na treva; as criancinhas gelam nos seus trapos e a polícia em torno, ronda atenta para que não seja perturbado o tépido sono daqueles que amam a neve, para patinar nos lagos do Bosque de Bolonha com peliças de três mil francos. Mas quê, meu Jacinto! a tua Civilização reclama insaciavelmente regalos e pompas, que só obterá, nesta amarga desarmonia social, se o Capital der ao Trabalho por cada arquejante esforço, uma migalha ratinhada. Irremediável, é pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe pene! A sua esfalfada miséria é a condição do esplendor sereno da Cidade."

A cidade e as serras, Eça de Queiroz, 1899

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