sábado, 18 de abril de 2015

Professores, ciência e autonomia

O texto de hoje surge motivado por dois acontecimentos de dimensão e valor diferentes: a inegável acção em prol da ciência de Mariano Gago, recordada e equacionada no momento da sua morte, e a notícia do jornal “Público” relativa à tomada de posição da Associação Nacional de Professores de Português no que diz respeito à ortografia a utilizar pelos alunos em exames curriculares 2014-2015 bem como da citação, incluída nesta notícia, da actual presidente da Associação de Professores de Português,  Edviges Ferreira, que terá afirmado: “se o MEC determina que o AO90 é para cumprir, [os professores] só têm de obedecer”.
Na verdade não pretendo analisar ou comentar em particular nem as políticas seguidas por Mariano Gago no sentido do desenvolvimento cientifico em Portugal, nem a acção desta recente associação de professores, mas estabelecer a relação entre ambas através do conceito de autonomia na ciência. É óbvio que uma terceira variável está, inevitavelmente, presente nesta reflexão. Ela diz respeito ao facto de sermos um país de políticas centralizadoras no qual as acções reguladora e legisladora do Estado são  confundidas ou mesmo sobrepostas. Se esta sobreposição ou confusão é em si um problema, o crescimento exponencial que assume ao ser interpretada e actualizada, particularmente por aqueles que em nome do conhecimento, da ciência e da aprendizagem agem, é inevitável e de difícil contabilização.
Quer a investigação empírica quer o conhecimento resultante da acção permitem obter uma leitura deste efeito. A docência, desde 1997, em Cursos CESE, Cursos de Complemento da Formação e Cursos de Valorização Técnica Orientada para a Administração Escolar (CFE-CVTOAE), tem-me permitido o contacto com professores e educadores ao serviço do sistema educativo português. Nos últimos 18 anos tenho sido confrontada com a relação dos professores com o conhecimento, a gestão deste no plano curricular e, principalmente, com o carácter paradoxal da relação dos professores com a tutela, MEC, autoridade percepcionada como mediadora da relação do professor-investigador na construção e transmissão do conhecimento.
Reconheço o papel regulador do Estado no sentido da equidade e do acto de velar pelo interesse público, ou seja, de todos, tenho dificuldade em compreender a obediência como comportamento   expectável por parte daqueles que só podem ser divergentes se pretendem conhecer, descobrir e transmitir o que descobriram. A “transgressão”, o pensar diferente e o risco associado constituem a  possibilidade da descoberta e garantem a autonomia da ciência e do conhecimento. Os programas curriculares e disciplinares são simplesmente isso: programas disciplinares. Não são projectos de descobrir e de construir conhecimento, é o professor enquanto profissional da ciência que transforma o programa curricular na experiência do conhecimento, para isso tem de afirmar a ruptura e desobedecer, em nome da autonomia da ciência e dos que morreram desobedecendo.

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