quarta-feira, 22 de abril de 2015

Pontes ...






Em 1998 estive pela primeira vez na Escola da Ponte, Santo Tirso, recordo bem as sensações e sentimentos ao longo desse dia. Não era uma visitante desprevenida. Professora há cerca de dez anos, tendo conhecido no 2º ano de FLUL a pedagogia e a metodologia da “escola moderna” através das aulas do Professor Albano Estrela e da observação de aulas no Externato Fernão Mendes Pinto, na turma da professora Maria de Lurdes Varela, tinha lido Freinet e Freire e, mais tarde, enquanto professora de 2º ciclo na Voz do Operário sentido o modo diferente como os alunos se “movimentavam” em aula e na aprendizagem, fazendo de si descobridores activos e interessados. Conhecia, portanto, julgava eu, o suficiente de projectos orientados para uma escola diferente, nenhuma destas vivências foi suficiente para me impedir o espanto naquela visita.
Os alunos movimentavam-se, os professores estavam disponíveis e o trabalho escolar parecia não pesar em nenhum destes intervenientes. A valorização de diferentes ritmos de aprendizagem dava provas no modo responsável como cada um averiguava o trabalho já realizado e encontrava feedback atento na resposta e orientação dos professores. A inclusão e exercício de cidadania observámos-las ao longo da tarde, a quando da realização da assembleia semanal.  As intervenções aconteceram de forma ordenada, aguardando que a mesa desse a palavra e concedendo-a a todos os que a pediam sem excepção. No final do dia de visita pensámos “é mesmo real?” Era real!
Como começou este projecto? No dia em que José Augusto Pacheco, jovem professor, foi colocado naquela escola e, como ele próprio escreveu, lhe deram a turma dos repetentes. O que faria ele por aqueles jovens que não tinham apresentado ainda nenhuma relação empática com a escola? Vamos arranjar as casa de banho, pensou, disse e fez. Com a ajuda e colaboração dos pais arranjou-as e levou-os à escola. Era o princípio de tudo, como ele próprio também diz!
O que fez este professor? Pontes! Entre a família e a escola, entre os alunos e ele próprio, entre os alunos e o conhecimento, entre a teoria e a prática ao tornar possível o que pairava idealmente no pensamento de filósofos e pedagogos, entre a escola lugar físico, mais ou menos contornado por muros e a comunidade envolvente. Tinha ele noção do resultado e do impacto destes gestos iniciais? Penso que não. Tinha esperança? Tinha. Em quê? Num lugar em que as pessoas aprendem e se sentem bem, na escola. Em si como professor e na educação como processo de desenvolvimento contínuo e partilhado.
Porque sabemos tão poucos da existência e concretização deste projecto em Portugal? Porque a educação é uma dimensão política da existência humana, nela projectamos utopias e desenhamos currículos para o futuro, isto faz dela o lugar de todas as discussões e desenganos ideológicas, mas também do combate político, por vezes pouco participativo e autoritário, assim, ao longo dos últimos anos em Portugal, todos os responsáveis do MEC sabiam da existência da Escola da Ponte, muitos dificultaram a continuidade do seu projecto e procuraram “enquadrar” a sua autonomia nas directrizes centrais. Não conseguiram fazer com que a grande maioria dos seus alunos deixasse de  ser diferente.
Responsáveis, participativos e críticos. Qualidades que exigem ambientes de desenvolvimento específicos, onde seja possível fazer “pontes” entre diferentes tipos de saberes, onde a integração de conhecimentos seja possível e estimulada, onde as “disciplinas” não submergem  a curiosidade e o interesse mas promovem a comunicação e a ligação entre saberes. Um currículo segmentado em “disciplinas” e uma gestão pedagógica e escolar desatenta  e não participativa, bem como um corpo docente distante da investigação contínua, dificilmente estimulam projectos abertos em que a auto-avaliação constitui a principal ferramenta de adequação e trabalho diário.
Estas são algumas das características desde projecto, mas também são os objectivos de projectos tão noticiados e actuais como os das escolas da Finlândia ou a experiência do Colégio Jesuíta em Barcelona. Quando se promoverá o seu desenvolvimento em Portugal? Quando perceberemos o valor intrínseco destas experiências? A complexidade do mundo exige interacção e espaços de partilha entre todos, tempo de desenvolvimento e margens de diálogo. Será esta finalmente a hora de reconstruir pontes?

2 comentários:

  1. Muito bom texto, Ana Paula!!!
    Quem dera começarmos a fazer pontes cuja a argamassa sejam as aprendizagens, principalmente as escolares!!!

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  2. Parece-me cada vez mais impossível não olhar a educação como um sistema de pontes, de ligações e articulações, aliás onde estas não são verdadeiramente acauteladas os desastres acontecem, como em Sbrenica.

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