segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ousadia maquiavélica



Salvador Dali, "Cisnes reflectindo elefantes", 1937
Da leitura de "O Príncipe" de Nicolau Maquiavel  vários conceitos e questões surgem. Seleccionemos os heterodoxos a que podemos chamar de "operativos", estes são: gestão por objectivos, projecto, recursos, cronograma de realização, plano estratégico, marketing e  avaliação de projectos. Ou seja, Maquiavel, ao aconselhar Lourenço de Médicis na arte de conservar o governo do seu principado, define critérios de utilidade e de acção estratégica e cria os antecedentes dos pilares dos actuais cursos de empreendedorismo e gestão. Inevitavelmente o realismo que Maquiavel nos pede no início do capítulo xv "(...) pareceu-me mais conveniente ir direito às verdades concretas do que à imaginação delas", relembra a nota e o paradoxo fundamental de quem procura lançar no mercado um novo produto: responder a necessidades reais ou criar as ainda não imaginadas pelo consumidor final?
Se este paralelismo fere alguma consideração filosófica, não esqueçamos que este se insere antropologicamente numa modernidade que fez da "empresa" símbolo de inventividade e prosperidade. A questão que se coloca diz então respeito à possibilidade de estabelecer paralelismo entre a gestão da empresa privada e a gestão da coisa pública. Se aceitarmos a moralidade consequencialista da relação entre meios e fins, esta prática de gestão é extensível e aceitável, se, pelo contrário, a máxima deontológica kantiana é a que replicamos, não permitindo que a acção  moral tenha em vista outros fins que não o dever racional, então conviveremos mal com as opções estratégicas que o maquiavelismo propõe.
A antiguidade clássica conviveu com a procura da cidade ideal e a inevitabilidade da medida humana, conviveu também com a morte e substituição de deuses, viu nascer o que seria "escândalo para judeus e loucura para gentios". No turbilhão quinhentista Maquiavel reveste-se de pragmática humanista e atreve-se a desenhar no papel o conjunto de instruções adequadas ao gestor público que queira conservar o poder e a coisa pública. 
Poderemos menosprezá-lo por hiper-realismo? Devemos reabilitar o seu pensamento? Por último, pode o realismo maquiavélico continuar a ser somente "maquiavélico"?

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