segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Tijolos

Existem vários tipos de tijolos, todos eles servem para construir algo maior. Os tijolos são partes constituintes de um todo que se desenhou e já se construiu ou se pretende construir, nesse caso os tijolos estão simplesmente em estaleiro aguardando que o empenho e criatividade de alguém faça deles algo maior do que a sua existência solitária. Cada tijolo encerra em si a possibilidade de, ao juntar-se a outros, participar na edificação de algo fantástico. As crianças sabem isso muito bem. Exactamente por isto a Lego consegue manter-se em actividade desde a primeira metade do século XX, não sendo por acaso que o seu criador era um carpinteiro. A empresa atravessou momentos difíceis no fim do mesmo século, quando de forma extraordinariamente simplista se assumiu que a operatividade e o manuseamento de objectos poderiam e seriam substituídos pelo virtual e pelo digital. As vendas caíram, a Lego teve de repensar os seus tijolos, ou seja, a essência do seu negócio, o produto a apresentar aos seus clientes. Os seus clientes preferenciais são crianças, estas sabem bem o que fazer com tijolos. Construir universos e expandir a sua criatividade treinando a percepção das suas potencialidades e competências. Ou seja, desenvolvendo todas as dimensões da sua humanidade.
Tudo isto vem a propósito de dois artigos, hoje publicados no jornal Público, um sobre os desafios da Lego, outro sobre o afastamento de conteúdos relativos à educação sexual da disciplina de Ciências da Natureza, no 9º do ensino básico.
Os dois lembraram-me o Despacho nº 17169/2011 do Gabinete do Ministro, Ministério da Educação e Ciência.
Diz-se aí: “O currículo deve incidir sobre conteúdos temáticos, destacando o conhecimento essencial e a compreensão da realidade que permita aos alunos tomarem o seu lugar como membros instruídos da sociedade.”
Eis que reencontramos a temática da essência. O que se entende por este conceito e como definir o que é essencial para algo ou alguém? Para algo parece ser eminentemente fácil, não posso chamar sopa de espinafres a um caldo sem espinafres, a sua essência está nos espinafres. Também os gestores da Lego perceberam que a essência desta está nos tijolos de plástico que permitem reconstruir, recriar e inventar novos mundos enquanto as crianças crescem e se fazem adultos criativos e empreendedores. Na política curricular definida pelo MEC parece existir alguma indefinição relativa aos conteúdos e aprendizagens consideradas essenciais. A definição de currículo essencial necessita de reflexão e ponderação necessariamente constantes. O essencial em tempo de “crises”, seja por carências financeiras, económicas, éticas ou outras, define-se por carência e não por substância, logo, não pode ser considerado como condição suficiente e necessária, mas deve ser ponderado enquanto contingente e temporário, ou seja, quando se gere património comum ou público em tempo de escassez tomam-se opções que não podem ter continuidade temporal sem serem revistas e ponderadas ou alteradas, ao contrário dos tijolos Lego, que parecem demonstrar uma parte fundamental da essência humana, a ausência de oferta curricular diversificada a adolescentes relativa à sexualidade humana, que na sua essência não se pode confundir com reprodução, apresenta-se como um erro essencial numa idade em que a “criatividade” não se exerce somente com tijolos Lego e a compreensão da realidade deve ser ampla. Fica a pergunta: - Que estrutura curricular devemos assegurar nas escolas portuguesas para que todos tenham os tijolos fundamentais para construir futuro e sentido?

2 comentários:

  1. Construir, destruir, construir. É aprender

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  2. Gostei de ler. E enquanto lia estava sempre a lembrar-me das fabricas de tijolo do Ramalhal que estão todas fechadas causando centenas de desempregados. Joaquim Cosme

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