segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Essencial



Os exemplos de currículos escolares desenvolvidos de modo integrado são vários, em Portugal e no resto do mundo. Este modelo de organização curricular e pedagógica define-se pela compreensão da existência e experiência humanas enquanto contínuo sistémico que decorre integrando tudo e todos. A existência deste modelo curricular, em que por exemplo as disciplinas são mais ou menos abolidas, a divisão de turmas é informal, os professores são partilhados e entendidos como recurso global da escola, a arquitectura do espaço se presta à comunicação e deambulação das pessoas sem preocupação maior de espaços interditos, a metodologia de trabalho abraça o projecto, o feedback é contínuo, a avaliação significa aprendizagem e os pais são considerados parceiros educativos, dizíamos, a existência deste modelo organizacional de currículo significa compreender a educação e a formação como processo em que a escolha e o poder de decidir são acções essenciais. Não porque as crianças e jovens possam sozinhos escolher, mas porque a escolha e a responsabilidade a esta associada são aspectos essenciais da vida do indivíduo e das comunidades. Depois, porque, aprender envolve motivação, sabemos que as escolhas pessoais e o envolvimento geram dinâmicas intrínsecas de “apego” e vinculação absolutamente essenciais para o comprometimento pessoal que a aprendizagem exige. Sintetizando, a liberdade de escolha, e não o acaso ou o despotismo, fizeram-nos humanos.
Tudo isto vem a propósito da definição de “um currículo essencial”.
No Brasil a expressão “cesta básica” surgiu referindo-se ao conjunto de alimentos considerados essenciais para que as famílias se mantivessem sem problemas de maior no que diz respeito à ingestão mínima de proteínas, minerais etc. Em Portugal esta cesta chamar-se-ia “cabaz essencial”.
Nas últimas semanas soubemos que os alunos do 9º do ensino básico, com idades entre os 14 e os 17 anos, não irão durante este ano lectivo e os próximos, ter acesso a conteúdos curriculares relativos à sexualidade, nomeadamente esclarecimentos e informação sobre meios contraceptivos em aulas de Ciências Naturais. Soubemos também que o apoio por parte do MEC, nomeadamente financeiro, ao ensino artístico, música incluída, estava seriamente em perigo. O que nos permite voltar aos dois conceitos que orientam esta reflexão: essencial e escolha.
O que significa, curricularmente falando, escolher? As escolas públicas podem escolher a sua estrutura curricular, podem apresentar variações na oferta educativa? Podem orientar e definir os seus projectos educativos de forma singular? Propondo percursos e caminhos diferentes? Os pais e os alunos podem optar por percursos curriculares “alternativos” e não exclusivamente pelos uniformizados?
Por último, como pode qualquer autoridade definir o que é essencial? A música não é essencial? Porquê? Não possui valor económico? Não podemos todos ser músicos? Possibilitar a todos formação musical não é essencial? Porquê? Podemos ser nós, cada um de nós, pais, mães, crianças e jovens a definir o nosso “essencial”? Poderemos entender que a essência do humano se faz pela escolha? Que a natureza humana é o que é porque não está fundamentalmente submetida a condicionalismos naturais mas possui uma extraordinária essência cultural que a faz fazer coisas e produzir, tantas vezes, inutilidades belas e autênticas, exactamente por isso, porque não servem para nada, mas são essenciais, como a música.

2 comentários:

  1. E pensar que qualquer outra arte e ofício almeja reproduzir o sublime efeito da música no espírito.
    De resto, a simples exclusão de qualquer actividade criativa e do exercício da arte é suspeita. Porquê cortar essa veia? Pela falta de recursos? Para desencorajar o acesso a outras formas de expressão?

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    1. O sublime efeito da arte no espírito ou o sublime efeito do espírito na arte?

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