sábado, 19 de setembro de 2015

Desafio da filosofia



Como é possível a filosofia na cidade, qual é o seu lugar, se é que tem um, nas tarefas e preocupações humanas, quais são as condições políticas do seu exercício, do ensino que produz, quer para os filósofos quer, de modo diferente, para os não filósofos?”
A formulação desta questão é da responsabilidade conjunta de E. Cattin, B. Frydman, L. Jaffro e A. Petit no prólogo a “Leo Strauss: Art d'écrire, Politique, Philosophie”, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 2001.
Leo Strauss nasceu a 20 de Setembro de 1899 em Kirchhain, Hesse, Alemanha, morre em Maryland, EUA, a 18 de Outubro de 1973.
Entre estas duas datas existe uma vida, um percurso geográfico, que o leva do continente Europeu até às ilhas Britânicas e, em 1938, para a América do Norte, e um pensamento, que se fez da condição de ser judeu, de ter convivido academicamente com Husserl e Heidegger, de ter em comum com Hannah Arendt o judaísmo e a filosofia, de ter, em primeiro lugar, estudado as tensões filosóficas que originaram o kantismo, a sua tese de licenciatura, 1921, é sobre teoria da ciência em H. Jacobi, de ter dialogado com Alexandre Kojève, Karl Lowith, Franz Rosenzweig, Alexandre Koyré e Hans Georg Gadamer. Entre 1949 e 1967 ensina na Universidade de Chicago.
Em 1941 escreve e publica em Social Research 8, nº 4, pp. 488-504, “Persecution and the Art of Writing”, texto que retoma em 1952.
O pequeno artigo inicia assim: “Num número considerável de países, que usufruíram durante cerca de uma centena de anos de liberdade de discussão pública praticamente total, esta liberdade está hoje suprimida e substituída pela obrigação de conformar os discursos às opiniões que o governo crê úteis ou que considera mais importantes. Talvez valha a pena examinar brevemente os efeitos deste constrangimento ou desta perseguição no pensamento e também na acção.
Amanhã, 20 de Setembro de 2015, passam 116 anos sobre o nascimento de Leo Strauss. Cerca de 2550 anos nos separam dos dias do julgamento e condenação à morte de Sócrates, em Atenas, e 359 anos da sentença de excomunhão de Baruch de Espinoza, proferida pelo Conselho de Anciões da Sinagoga da comunidade portuguesa de Amesterdão, a 27 de Julho de 1656. O cineasta iraniano, Jafar Panahi, está preso desde Março de 2010 e o artista activista dos direitos humanos, Ai Weiwei, preso no aeroporto de Pequim a 3 de Abril de 2011 só há pouco foi libertado, os dois têm em comum o facto de questionarem a tirania e o despotismo do exercício governativo dos seus estados.
Os sistemas políticos e os paradigmas científicos têm tendência a perseguir aqueles que dizem e manifestam princípios de acção diferentes dos instituídos. Há cerca de 2500 anos Platão escrevia o Livro VII da República, aí apresenta-nos um cenário, conhecido como Alegoria da Caverna, no qual estabelece paralelismo entre a vida nas sombras da caverna e a vida humana, terrível analogia, principalmente pelo desconhecimento e inconsciência da nossa condição de escravos presos a um mundo de aparências que tomamos por reais. Sair da caverna significa questionar o modelo instituído, libertando-se do paradigma de análise vigente e, principalmente, dizer aos outros que estão enganados, que o que supõem ser verdade não o é. Este papel, segundo Platão, caberá ao filósofo, entendido como educador ou orientador das massas, estas, não sendo irracionais, não gostam de ser convencidas, logo, o que fazem é a perseguição do filósofo. Para se defender, segundo Leo Strauss, este desenvolve formas exotéricas de escrita, por isso precisamos aprender a ler entre linhas, para entender o pensamento dos que querendo pensar livremente são perseguidos, exactamente por não aceitarem as ortodoxias vigentes.
A investigação livre e a comunicação dos seus resultados supõe que a educação é capaz de fazer leitores e ouvintes disponíveis para substituir antigos modelos de compreensão do real por outros, mas, da mesma forma que para aprender preciso de voluntariamente substituir conhecimentos antigos por novas propostas de pesquisa, o que significa que aprender resulta de um acto voluntário de escolha em que abandono o já conhecido e abraço o desconhecido, também o investigador e o filósofo precisam de estar atentos ao esforço de reconversão que pedem aos não investigadores e aos não filósofos ou correm o risco de serem ostracizados e porventura perseguidos. Ainda que Platão pretendesse atribuir ao filósofo o papel de orientador e líder social, a natureza da filosofia exige a liberdade e o não comprometimento como única forma de acção, por isso o filósofo está ao serviço da cidade, da polis, mas não pode estar com a cidade ou correrá dois riscos: ou ser perseguido ou deixar de ser filósofo. A opção pela filosofia é uma escolha única que, muitas vezes, implica solidão, Bento de Espinoza, viveu sozinho o resto dos seus dias.

2 comentários:

  1. O bom velho Leo Strauss. Ensinou a muitos arte de interpretar. Alguns desvairaram do seus conceitos, como os neo liberais americanos

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    1. A criatividade dos "desvairados" e das interpretações mantém a atenção e desassossega a democracia, algo importante para a sua continuidade.

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