sábado, 18 de junho de 2016

O cheiro do outro

"«Para aceitar o outro», disse-me um dia o artista plástico angolano Fernando Alvim, «é preciso aceitar o cheiro do outro.» Alvim tentou com este argumento convencer a direcção de uma importante galeria portuguesa a incluir, numa das suas instalações, um gigantesco  frasco de perfume cheio de um «extracto de catinga» produzido pelo próprio artista. Os visitantes seriam convidados, à entrada da mostra, a abrir o frasco e a servirem-se do produto. A galeria, considerando que aquilo poderia constituir uma ameaça à saúde pública, recusou a proposta. Alvim, que vive em Bruxelas, onde o seu trabalho tem sido muito bem recebido pela crítica, ficou desiludido. Os amigos dele, assustados com a ideia de que, na inauguração da mostra, teriam de utilizar o suor alheio como se fosse perfume, respiraram de alívio. Para aceitar o outro não é preciso ir tão longe. Quanto a mim basta comer a jaca.
Aliás, um fruto excelente."


José Eduardo Agualusa, "A jaca que foi comida viva", in A substância do amor e outras crónicas, D. Quixote, Lisboa, 2000

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