“Como
é possível a filosofia na cidade, qual é o seu lugar, se é que
tem um, nas tarefas e preocupações humanas, quais são as condições
políticas do seu exercício, do ensino que produz, quer para os
filósofos quer, de modo diferente, para os não filósofos?”
A formulação desta questão é da
responsabilidade conjunta de E. Cattin, B. Frydman, L. Jaffro e A.
Petit no prólogo a “Leo
Strauss: Art d'écrire, Politique, Philosophie”, Librairie
Philosophique J. Vrin, Paris, 2001.
Leo Strauss nasceu a 20 de Setembro
de 1899 em Kirchhain, Hesse, Alemanha, morre em Maryland, EUA, a 18
de Outubro de 1973.
Entre estas duas datas existe uma
vida, um percurso
geográfico, que o leva do continente Europeu até às ilhas
Britânicas e, em 1938, para a América do Norte, e
um pensamento, que se fez da condição de ser judeu, de ter
convivido academicamente com Husserl e Heidegger, de ter
em comum com Hannah Arendt o judaísmo e a filosofia, de
ter, em primeiro lugar, estudado as tensões filosóficas que
originaram o kantismo, a sua tese de licenciatura, 1921, é sobre
teoria da ciência em H. Jacobi, de ter dialogado com Alexandre
Kojève, Karl Lowith, Franz Rosenzweig, Alexandre Koyré e Hans Georg
Gadamer. Entre 1949 e 1967 ensina na Universidade de Chicago.
Em 1941 escreve e publica em Social
Research 8, nº 4, pp.
488-504, “Persecution and the Art of Writing”, texto que retoma
em 1952.
O pequeno
artigo inicia assim: “Num
número considerável de países, que usufruíram durante cerca de
uma centena de anos de liberdade de discussão pública praticamente
total, esta liberdade está hoje suprimida e substituída pela
obrigação de conformar os discursos às opiniões que o governo crê
úteis ou que considera mais importantes.
Talvez valha a pena examinar brevemente os efeitos deste
constrangimento ou desta perseguição no pensamento e também na
acção.”
Amanhã,
20 de Setembro de 2015, passam 116 anos sobre o nascimento de Leo
Strauss. Cerca
de 2550 anos nos separam dos dias do julgamento e condenação à
morte de Sócrates, em Atenas, e 359 anos da sentença de excomunhão
de Baruch de Espinoza, proferida pelo Conselho de Anciões
da Sinagoga da comunidade portuguesa de Amesterdão, a 27 de Julho de
1656. O cineasta iraniano,
Jafar Panahi, está preso desde Março de 2010 e o artista activista
dos direitos humanos, Ai Weiwei, preso no aeroporto de Pequim a
3 de Abril de 2011
só há pouco foi libertado,
os dois têm
em comum o facto de questionarem a tirania e o despotismo do
exercício governativo dos seus estados.
Os sistemas políticos e os
paradigmas científicos têm tendência a perseguir aqueles que dizem
e manifestam princípios de acção diferentes dos instituídos. Há
cerca de 2500 anos
Platão escrevia o
Livro VII da República, aí
apresenta-nos um cenário,
conhecido como Alegoria da Caverna, no
qual estabelece paralelismo
entre a vida nas sombras da caverna e a vida humana, terrível
analogia, principalmente pelo desconhecimento e inconsciência da
nossa condição de escravos presos a um mundo de aparências que
tomamos por reais. Sair da caverna significa questionar o modelo
instituído, libertando-se do paradigma de análise vigente e,
principalmente, dizer aos outros que estão enganados, que o que
supõem ser verdade não o é. Este papel, segundo Platão, caberá
ao filósofo, entendido como educador ou orientador das massas,
estas, não sendo irracionais, não gostam de ser convencidas,
logo, o que fazem é a perseguição do filósofo. Para
se defender, segundo Leo Strauss, este desenvolve formas exotéricas
de escrita, por isso precisamos aprender a ler entre linhas, para
entender o pensamento dos que querendo pensar livremente são
perseguidos, exactamente por não aceitarem as ortodoxias vigentes.
A investigação livre e a
comunicação dos seus resultados supõe que a educação é capaz de
fazer leitores e ouvintes disponíveis para substituir antigos
modelos de compreensão
do real por outros, mas, da mesma forma que para aprender preciso de
voluntariamente substituir conhecimentos antigos por
novas propostas de pesquisa, o que significa que aprender resulta de
um acto voluntário de escolha em que abandono o já conhecido e
abraço o desconhecido, também o investigador e o filósofo precisam
de estar atentos ao esforço de reconversão que pedem aos não
investigadores e aos não filósofos ou correm o risco de serem
ostracizados e porventura perseguidos. Ainda que Platão pretendesse
atribuir ao filósofo o papel de orientador e líder social, a
natureza da filosofia exige a liberdade e o não comprometimento como
única forma de acção, por isso o filósofo está ao serviço da
cidade, da polis, mas não pode estar com a cidade ou correrá dois
riscos: ou
ser perseguido ou deixar de ser filósofo. A opção pela filosofia é
uma escolha única que,
muitas vezes, implica solidão, Bento de Espinoza, viveu sozinho o
resto dos seus dias.