Férias com a Sophia e o Fhilos
Lembro-me de ter seis
anos e ficar a imaginar o tempo que ainda não tinha vivido, de olhar
na direcção do final do dia e imaginar o que não sabia. A casa dos
meus pais está praticamente ordenada com os pontos cardeais, de tal
forma que não foi difícil aos meus filhos desenharem na parede sul
um relógio de sol que ao longo do ano vai animando grandes conversas
sobre a sua “óptima” orientação e a diferença entre horas
solares e convenções na medida do tempo. Bem, quando eu tinha seis
anos sentava-me num degrau lá de casa virado a ocidente e imaginava
o “mar de Santa Cruz”, era e é o meu oceano Atlântico, chegava
a conseguir ouvi-lo nos cerca de oito quilómetros de distância que
se colocavam entre mim e ele. As tardes de verão numa casa de aldeia
tinham formigas, livros, a minha amiga Mimi, rega ao fim do dia,
muitas horas de pensamento e a sensação de que o que me rodeava era
imenso mas ao mesmo tempo estava próximo, exactamente porque me
rodeava e porque se deixava contemplar e pensar. Claro que em
momentos fundamentais deste ócio tão apreciado por mim, a voz da
minha Mãe interrompia este estado de semi-vegília em que adorava
deixar-me envolver e algumas tarefas se impunham, de qualquer forma o
meu verão percorria-se entre o calor destas tardes, por vezes
acompanhadas por um vento Suão que me deixava prostrada debaixo da
figueira ou o fresco absoluto de Santa Cruz na casa alugada ao Senhor
Marmelo. Mas, era o início de Setembro que mais me fazia pensar,
eram tão acolhedoras a luz e a temperatura, (desde essa altura o meu
ciclo anual funciona tendo início em Setembro), passava nas
macieiras do meu Avô e cheirava-as antes de as trincar, ia pelo
carreiro até ao poço e olhava a Serra de Montejunto, continuava um
pouco mais e reencontrava o aroma concentrado nas maçãs que a Tia
Maria tinha recolhido e guardava em cima de restolho e palha seca,
numa antiga cortelha dos porcos. Só cheirava a feno seco e a maçãs!
Acho que é por isso que há um sabonete que se chama Feno de
Portugal!
Aos sete ou oito anos
a Mafalda chegou a minha casa acompanhada por imensos Patinhas,
Urtigões e também o Mortadelo
y
Filemón, em
castelhano mesmo, vindos pelas férias da Mimi e do Zé, que adoravam
Sevilha e
Barcelona, mas
que gostavam,
principalmente, de
ler coisas de miúdos, como a minha Mãe dizia, o bom de tudo isso é
que a meio das férias toda essa literatura entrava lá em casa e
fazia as minhas delícias, minhas e do meu irmão.
Para
além do imenso privilégio de ter, desde sempre, conhecido a Mimi, a
pessoa que me inquietou, também tinha a Tia Umbelina que me punha na
ordem e me dava bolachas, o Tio Quim que me levava a passear em
Lisboa, o Tio Joaquim que tinha livros do Sadokam e de Cowboys, o meu
Padrinho com quem andava de automóvel, tinha, principalmente, a
possibilidade de não fazer nada em parte fundamental do meu tempo de
férias escolares, por isso a sensação mais profunda que tenho de
mim é a desse tempo em que me ía apercebendo dum mundo exterior e
interior, um por integração do outro.
Usufruí
ociosamente do
tempo de crescer, muitas foram as formigas que admirei como muitos
foram os ralhetes pela demora em trazer a água fresca ou o tempo que
levei a encher o tanque com
água, as minhas férias foram salpicadas pela descoberta do
mundo em que vivia, do mundo que imaginava e
dos adultos que me motivavam.
Esta sensação/saber
desenvolveu-se
e transformou-se
em conhecimento profissional que permite confirmar
a
importância da descoberta do mundo para o desenvolvimento de
crianças e jovens e da necessidade de tempos de ócio em que o
pensamento surge e a acção se planeia, mesmo que seja somente
o plano para
invadir o formigueiro e
ver como é!
O
projecto “Férias com a Sophia e o Fhilos” pretende ser para as
crianças e jovens actuais o espaço em que o mundo é questionado e
anima o nosso pensamento, seja através da leitura, seja através do
cinema, da banda desenhada, da
dramatização
ou do passeio na cidade. Pretende-se
ouvir os jovens e deixá-los perguntar, pesquisar e, principalmente,
usufruir do seu tempo de ócio, acompanhados por uma tutoria aberta
que integra os conteúdos curriculares de forma a dispor para a
aprendizagem e os resultados escolares. Porque acreditamos no
acompanhamento e tutoria para a descoberta e o conhecimento, as
“Férias com a Sophia e o Fhilos” são espaço orientado para a
reflexão, a análise e o questionamento do mundo actual acompanhados
pela problematização filosófica que, acreditamos, é capaz de
motivar para as aprendizagens de forma a tornar possível que
Setembro
continue
a ser e
a proporcionar o
reencontro com o que ainda não sabemos de
modo tranquilo e confiante.